
VIVENDO
DE CULTURA

Um personagem de amor à cultura nordestina
É assim que se pode definir o Cangaceiro maranguapense. Pela manhã é homem comum, tem filhos e esposa. O sol de rachar lhe acompanha junto ao chacoalhar de sinos e o chapéu de vaqueiro. Seu papel de ambulante da água de coco. “Faz bem pras disenterias.” — diz Francisco Edson Lemos.
Enquanto serve aos clientes, pensa naquela parte sua que ficou em casa, guardado na mala preta junto com suas armas, seu material de caça e a lamparina para as noites perigosas do sertão. Imagina-se sob o peso da fantasia que ele próprio montou, peça por peça, como se as estivesse vestido. A Nossa Senhora presa ao chapéu, o rifle em réplica, o punhal adornado por joias de um cavalheiro com sua busca implacável por ouro e justiça. Disso lhe sobra todo amor e saudade, mas lembra que esta tem dias contados. As vestes estão sempre no aguardo de serem postas. É quando Lemos vira o Lampião, com o olhar “brabo” de um homem em fuga, disposto a lutar por seu sustento.
Sua Maria Bonita: o palco sempre disposto de uma plateia de gente curiosa, esperando ansiosas pelo chacoalho dos terrores, posto à indumentária para satisfação deles. Sua também, pois nada lhe agrada mais que se vestir de cangaço, ser admirado, contar a história de um povo com um único olhar. Mas e esses cocos e o chapéu de vaqueiro? Muita água para vender. Deixa pro fim de semana, com um pouco mais de tempo.
O homem é que prossegue sendo:
O Francisco Edson Lemos, com 50 anos, pai de família e natural de Maranguape. Terra onde, de uma brincadeira, nasceu o conhecido Cangaceiro Maranguapense. Sua jornada começou quando Lemos trabalhava na Vicunha Nordeste, empresa têxtil onde teve a oportunidade de participar de uma oficina de teatro e descobriu seu amor pela representação. Dali a alguns anos, quando já trabalhava como ambulante, surgiu a ideia de se vestir como cangaceiro, motivada pela curiosidade de Edson, as leituras de cordéis e os filmes que assistiu sobre o Rei do Cangaço, Virgulino Ferreira — mais conhecido como Lampião, pela forma como atirava.




Sem apoio financeiro, o ambulante montou a indumentária de couro com todos os acessórios; réplicas de rifles, punhais adornados, lamparina e as demais peças do que chama “kit de sobrevivência” de uso estritamente necessário, já que os nômades do cangaço tinham de migrar pelo nordeste, em fuga. Uma vez feita a indumentária, Lemos fez testes com as crianças próximas a sua casa e diz que a sinceridade infantil garantiu o sucesso do negócio. Mais tarde foi a vez dos turistas que, encantados pela cultura e o jeito com que Edson incorporava o personagem, tiraram as primeiras fotos do cangaceiro e mostraram para o ambulante uma outra face do que antes era apenas uma diversão.
Numa visita ao museu da cachaça, em ocasião da festa de 160 anos da Ypioca, foi convidado a se apresentar todos os domingos trajado de Lampião. Trabalho onde permaneceu por cinco anos. Edson conta que a riqueza de conhecimento e experiências que
adquiriu foram diversas, conheceu pessoas que tinham histórias para contar, além de suas pesquisas sobre a cultura do cangaço. Percebeu medo e admiração no olhar das crianças e viajou por alguns estados do Brasil para divulgar o parque e a sua representação da história nordestina.
Hoje trabalha com a venda de água de coco, ainda afirmando suas raízes teatrais na forma como usa o chapéu de vaqueiro e chama atenção para seu trabalho com sinos que a população já reconhece. Mudado o oficio, ainda permanece conhecido como Lampião, o cangaceiro de Maranguape e apesar de já não trabalhar com os trajes, vez por outra se apresenta com as armas e vestes de Virgulino Ferreira, demonstrando sua paixão pela cultura que conta ter despertado sua atenção desde menino.
E ele promete: “O cangaceiro ainda existe, ele tá vivo. Não morreu, não. Ainda vai aparecer por aí. Tenho minhas coisas todas guardadas, o meu acervo todo. Sempre eu tô mexendo, sempre tô olhando, eu não desisti do Cangaceiro”. O personagem inusitado é conhecido por atrair muitos olhares curiosos, comparecendo aos eventos regionais e deixando sua marca na história da cidade.